Cobrada pela Justiça, prefeitura diz não ter habitações para abrigar famílias despejadas em Piracicaba
13/10/2025
(Foto: Reprodução) Manifestações de comunidades em frente à Câmara Municipal de Piracicaba, na última quinta-feira (2)
Caio Garcia
Após ser acionada pela Justiça para fornecer "alternativas habitacionais" a famílias que estão ocupando uma área particular onde foi formada a Comunidade Renascer, a Prefeitura de Piracicaba (SP) afirmou que não possui moradias disponíveis para abrigá-las. A Justiça agendou para 27 de novembro deste ano o despejo dos moradores do local.
Ao cobrar acolhimento da prefeitura, em decisão de setembro, a juíza Miriana Maria Melhado Lima Maciel, da 1ª Vara Cível de Piracicaba, apontou "eventual omissão do poder público".
"A eventual omissão do Poder Público quanto ao direito constitucional à moradia não pode onerar os proprietários de imóveis privados, sob pena de ruptura da ordem jurídica vigente. Outrossim, o proprietário não pode, sozinho, ter o ônus de custear a moradia de centenas de pessoas", argumentou.
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Já a afirmação da prefeitura sobre a falta de habitações foi feita durante uma reunião com autoridades para planejamento da reintegração de posse da área, no último dia 2 de outubro.
O g1 teve acesso a um ofício da Polícia Militar no qual também é informado que a prefeitura recorreu da determinação judicial para providenciar o acolhimento habitacional.
"Destacamos a fala do Sr. Secretário de Habitação e Desenvolvimento Social, Sr. Álvaro Saviani, esclarecendo que o município de Piracicaba não possui nenhuma habitação disponível para alocação de famílias que necessitem. Destacou-se tratar-se de área particular e que a Prefeitura de Piracicaba está recorrendo da decisão sobre a responsabilidade de alocação dos moradores da comunidade Renascer", diz trecho do documento.
Segundo a ata do encontro, à qual o g1 também teve acesso, o secretário afirmou que a prioridade da prefeitura é "dar respaldo para moradores de rua".
Na ocasião, a secretária executiva de Governo, Miriam Lídia Ferreira de Melo, disse que realizará uma reunião interna na prefeitura, reunindo todo o secretariado e órgãos pertinentes, para verificação dos recursos disponíveis para apoio da operação de reintegração de posse como, por exemplo, maquinários, caminhões, ônibus e ambulâncias.
Comunidade Renascer, em Piracicaba
Júlia Heloisa Silva/ g1
Na ata da reunião, já foram definidos alguns apoios:
Corpo de Bombeiros vai disponibilizar um caminhão;
Polícia Ambiental vai fornecer um levantamento da área;
Conselho Tutelar informou que vai dar apoio no dia da ação para garantir os direitos das crianças;
O Serviço Municipal de Água e Esgoto (Semae) vai fornecer maquinário para apoios relacionados à rede de água, e informou que não pode desligar o fornecimento do recurso antecipadamente.
Comunidades fazem ato em frente à Câmara de Piraicaba
Claudia Assencio/g1
PM avalia ações em eventual 'distúrbio civil'
A Polícia Militar também agendou reunião para planejar a estrutura e atuações na ação de despejo. No documento, foram detalhadas medidas a serem analisadas: isolamento do local, controle de acesso, apoio ao oficial de Justiça no cumprimento da reintegração e eventual necessidade de "atuação de controle de distúrbio civil".
Ministério Público e Defensoria também foram acionados para acompanhar a reintegração de posse.
"Posteriormente, serão agendadas reuniões com a comunidade local, da qual se faz de extrema importância a presença do oficial de Justiça, para convencimento da desocupação voluntária no cumprimento da determinação judicial", diz outro trecho do documento.
Comunidade Renascer, em Piracicaba
Samantha Silva/ g1
Área tem três processos de reintegração
Há três processos de reintegração de posse em andamento para desocupação de diferentes áreas onde foi formada a Comunidade Renascer. Isso porque são diferentes proprietários reivindicando a retomada dos terrenos.
A decisão pela reintegração de posse no dia 27 de novembro é referente a um desses processos.
No entanto, a juíza questionou se os proprietários das outras duas áreas onde foi formada a comunidade têm interesse de reintegração de posse no mesmo dia. Assim, todos os três terrenos seriam alvo da ação de despejo na mesma data.
Comunidade Renascer, em Piracicaba
Júlia Heloisa Silva/ g1
O que dizem os moradores da comunidade
Moradores da comunidade afirmaram em um dos processos que os donos abandonaram a propriedade e que residem nela há anos com suas famílias.
Também sustentaram que deram função social à propriedade, conforme previsto na Constituição Federal, e que são trabalhadores que conservam a área.
"As famílias estão se organizando para fazer uma assembleia, para fazer ato, mas tudo que está sendo cabível judicialmente a gente está fazendo. Fora tudo isso, a gente está acionando o Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo da Defensoria e a Comissão de Direito à Cidade do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH)", explicou Marcela Bragaia, uma das advogadas populares que representa as famílias.
Comunidades cobram programas habitacionais
Conforme o g1 mostrou há uma semana, comunidades de Piracicaba cobram a destinação de verba de R$ 20 milhões no orçamento de 2026 para desapropriações e construção de moradias populares. Atualmente, o único projeto em andamento prevê 150 novos imóveis. No entanto, o déficit habitacional da cidade é de 10 mil unidades.
Famílias das comunidades Lago Negro, Renascer e Canaã realizaram uma manifestação em frente à Câmara Municipal no último dia 2 de outubro e programam outros atos, ao longo do mês, para cobrar esse planejamento habitacional
"As comunidades reivindicam a destinação de verbas do orçamento do PPA (plano plurianual) para habitação, com fins de seu uso para desapropriações e construção de habitações populares, no próximo ano", explicou o advogado popular Caio Garcia, que representa os moradores em processos judiciais.
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